domingo, 16 de janeiro de 2011

Livro do Dinho – Capítulo 1

Capítulo 1


Olá Nação Capitaliana,
Vamos publicar aqui com exclusividade páginas históricas de um livro que ficará em nossa memória. Palavras que combinadas, terão o poder de revelar momentos marcantes da vida de Dinho Ouro Preto e do Capital Inicial. Por isso inauguramos uma nova categoria no site, chamada “Post do Dinho”. Vocês têm noção da importância do que vem a seguir? Quantos vocalistas vocês conhecem que investiriam um número de horas incalculável para resgatar informações que fazem parte da nossa história?
Sim, amigos Capitalianos, nossa história! Porque eu me sinto parte da história do Capital, eu vivo Capital Inicial, e se você está comigo, vamos prestigiar com todas as nossas forças o carinho dessa pessoa incrível chamada Dinho Ouro Preto!
Com vocês, Post do Dinho:
Capítulo 1
Crescer é difícil. Agora, crescer numa cidade do interior, é um suplício. Brasília, mesmo sendo a capital do Brasil, nos anos oitenta era uma cidade no meio no nada, longe de tudo. Mas, com criatividade, era possível viver num mundo imaginário…
Dito isso, do outro lado do lago, a cidade parecia cintilante. Podíamos estar em qualquer lugar do mundo. Tínhamos a sensação de que éramos incrivelmente cosmopolitas. Nossos poucos prédios, ao menos de longe, nos davam a impressão de que estávamos em Londres ou Nova Iorque, os lugares que então nos pareciam os mais fascinantes da Terra. A imensa quantidade de álcool na nossa corrente sanguínea ajudava a criar a efêmera ilusão. Na verdade a única coisa que era permanente era a vontade de não estar ali. Tenho a impressão que não importava onde estivéssemos íamos querer estar em outro lugar. A insatisfação e o desconforto estava dentro de nós, e nos acompanharia onde quer que estivéssemos. Mas minha intenção não é fazer análises existenciais, nem cobrir o meu relato de cinza para fazê-lo parecer mais profundo. Mas o fato é que embora nos divertíssemos muito, seguíamos cegamente as novidades e tendências que chegavam do exterior e, naquele momento, a tristeza e melancolia das primeiras bandas góticas estava em alta. Em poucas palavras, fazíamos pose. Na verdade éramos, isso sim, incrivelmente pretensiosos.
Mas, voltando ao lago, ele refletia as luzes dos ministérios e criava na água um efeito de caleidoscópio que amplificava mil vezes o efeito de toda a farmácia que corria nas nossas veias.
Orgulhosos por nos acharmos diferentes do resto da nossa geração, era cômico a confrontação com os fatos. Ali estávamos completamente bêbados, de frente para um poluído, feio e lamacento lago, achando que éramos o farol do país. Depois de nossa passagem nada seria igual. Os revolucionários do planalto.
Éramos naquela época não mais do que meia dúzia de gatos pingados. Eu era um recém chegado na tribo, convertido a pouco, e como bom cristão novo, um dos mais fervorosos apóstolos. Nossa missão era a de propagar a nova ordem. Se fossemos um pouco menos arrogantes e um pouco mais cultos saberíamos que não estávamos dizendo nada de novo, mas a adolescência tem muito pouco a ver com bom senso.
O lago era um dos preferidos locais de encontro por ser longe o suficiente para não sermos incomodados por gente de fora ou pela polícia. Nesses encontros um dos assuntos prediletos era relembrar as nossas aventuras. Apesar de naquela época nossa amizade ser muito recente, agíamos como velhos conhecidos contando historias de guerra. Suponho que também servia para impressionar os recém chegados. Isso os colocava no seu devido lugar: o fim da fila. A hierarquia era determinada pela ordem de chegada. Pôr essa raciocínio, o líder supremo, o messias, era o Renato. Um pouco mais velho do resto de nós, sua sabedoria parecia não conhecer limites. O segundo no comando era o Fê. Juntos eles tinham estabelecido o marco do que viria a ser lembrado como o ponto de partida da nova era. O Aborto Elétrico.
A historia se repete como farsa, e a nossa lembra sobretudo a de Dom Quixote. Nós, contra nossos inimigos imaginários, que eram virtualmente tudo e todos. Como bons fundamentalistas ninguém estaria a salvo da nossa ira revolucionária. Paredão para todos.
Naquela noite era minha vez de lembrar …
A minha entrada para a tribo se deu inesperadamente, como na maioria das revelações divinas. Brasília, para quem não a conheceu naquela época, bem que poderia ter se candidatado ao titulo de cidade mais modorrenta do planeta. Eu acredito que tudo que aconteceu, foi na verdade, motivado pôr não ter mais o que fazer e não por idealismo.
OK, preciso me concentrar na história. Então, como eu dizia, era minha vez de lembrar e, sou obrigado a dar o braço a torcer, a cidade não tinha só defeitos. Haviam virtudes, como, por exemplo, os parques. Nada melhor para longos passeios pra fumar maconha ou caminhadas de volta pra casa depois da aula.
E foi voltando da escola que tudo começou. Não me lembro precisamente do dia, nem da época do ano, mas não esqueço da sensação que tive ao me deparar com uma cena que viria a mudar o rumo da minha vida. Como que atropelado por um caminhão, fui jogado para o alto, e, décadas mais tarde, ainda não aterrisei.
A cena em questão passava-se diante de uma das maiores lanchonetes da cidade conhecida por intoxicar seus clientes. Volta e meia mudavam-lhe o nome na esperança de confundir a freguesia. Apesar de potencialmente perigoso, o estabelecimento era ponto de encontro da juventude candanga. Talvez a comida estragada produzisse algum efeito alucinógeno que justificasse, isso sim, a popularidade do ponto.
Na calçada entre as mesas, lá estava, tão fora de lugar quanto uma sambista seminua num convento, uma maltrapilha banda de rock. Dizer que eles eram ruins seria uma bondade. O transtorno que elas causavam era claro, absolutamente ninguém estava achando a menor graça naquilo. Mas era impossível olhar pro lado e ignorar a cacofonia… Todos os instrumentos e a voz estavam ligados no mesmo amplificador e produziam uma distorção que não parava sequer entre as músicas. Até Sid Vicious ficaria encabulado.
Como não dava pra fingir que aquilo não estava acontecendo, cheguei mais perto. A banda em questão era formada por três garotos, que apesar de muito jovens eram um pouco mais velhos que eu. Em volta deles havia um pequeno grupo que parecia fazer parte do mesmo clã. Era fácil reconhecê-los: cabelos espetados e coloridos, roupas que estavam mais pra pano de chão, e uma quantidade tão grande de alfinetes que provavelmente nenhum deles passaria num detector de metais. A banda, seu equipamento e seu público caberiam todos juntos numa kombi. Mas, apesar de serem pouquíssimos causavam uma comoção e tanto.
De vez em quando, o vento soprava a favor e era possível entender uma ou outra palavra do que era cantado. Não tive certeza, mas achei que era alguma coisa sobre coca-cola. A melhor coisa das músicas era o fato de serem curtíssimas. Não passavam de alguns minutos. Lá pelas tantas a banda parou, e começou a passar os instrumentos para o pequeno séquito a sua frente. Na verdade o público era a banda seguinte. Os próximos eram ainda mais contundentes. Esses eram um quarteto, mas fora isso eram muito parecidos com a anterior, tanto no quesito talento quanto indumentária. Mas havia uma diferença substancial: uma menina cantava, ou talvez melhor dizer, urrava. Era uma histérica com uma voz tão aguda que provavelmente parte do seu encanto só poderia ser ouvido por cães.
De um modo geral, para um desavisado que desse de cara com essa cena, só duas coisas eram claras no meio do caos: Primeiro, que a música era só um detalhe, o importante era a atitude, abertamente desafiadora. E segundo, eles com certeza estavam se divertindo horrores as custas dos seus pobres espectadores.
Para alguém como eu, que se angustiava com a possibilidade de passar o resto da vida numa cidade que faria o Vaticano parecer um lugar divertidíssimo, aquilo parecia ser a resposta as minhas preces. Definitivamente, Deus tinha senso de humor.
A próxima e consideravelmente mais complicada tarefa era como me enturmar com aquela gente. Eles não pareciam ter muitos amigos, e se eu chegasse e dissesse algo como “oi, o som de vocês é péssimo, mas vocês parecem ser bacanas” Sabe-se lá qual seria a reação deles. Talvez fossem violentos. Talvez me amarrassem e me obrigassem a ouvir sua música… Enfim, tomado pelo bom senso e o instinto de sobrevivência, fui pra casa.

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